Luiza Santos, Acadêmica de Jornalismo, VII Nível
São raros os brasileiros que não levantam a voz e estufam o peito para falar sobre a miscigenação característica do país – essa mistura de raças que torna quase impossível dizer quem é o que, e faz de todos simplesmente, a própria figura da alegria, da cordialidade e, acima de tudo, da confraternização.
O Brasil é um país com etnias diversas, que se mesclaram ao longo dos séculos e hoje abriga uma grande população de pessoas de pele parda e morena – está aí um fato que não se pode discutir. Entretanto, o mito da nação cordial precisa ser analisado com um pouco mais de auto-crítica, ao invés de simplesmente endossarmos esse conceito como forma de expiar a culpa por um passado que raramente é discutido com seriedade.
Grande parte desta miscigenação que tanto nos orgulha é simplesmente mais um fruto da escravidão africana e indígena. Não eram os senhores de engenho bondosas almas dispostas a ignorar a origem de uma mulher pelo amor ou pela paixão: em sua maioria, os donos de escravos viam o abuso sexual como apenas mais um dos trabalhos a serem realizados pelos africanos. Ora, não eram eles donos daquela mercadoria? Pois então, poderiam fazer o que bem entendessem com o bem que compraram – inclusive satisfazer seu voraz apetite pelo sexo. E aí surgem os primeiros mestiços. Nossa miscigenação é, na verdade, um produto da dominação e não da confraternização. Nada romântico, não?
Este é apenas um dos fatores que deveriam ser repensados, ainda mais quando se fala em Dia da Consciência Negra. Em homenagem à Zumbi dos Palmares , o dia da morte do escravo africano em 1695, 20 de novembro, também marca uma quase utópica reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. Nos currículos escolares, quando se estuda o negro o que se fala é sobre a escravidão, o neocolonialismo e o apartheid: paramos por aí. Já a história européia é amplamente discutida e aprofundada – e aí, não éramos um país com diversas heranças culturais? Se assim é, estudar a história da África seria no mínimo indispensável para compreendermos nossa condição de brasileiros, mas esparsos alguns tópicos no currículo escolar tratados de forma emocional servem apenas para diminuirmos a sensação de culpa e buscarmos uma estúpida redenção.
A cultura dos negros africanos – outra celebração de alguns nacionalistas empolgados -, ainda que assimilada por parte da população e quase que imperceptivelmente presente no cotidiano, segue como uma manifestação marginal. Temos a capoeira, o candoblé, o maracatu (, comemos vatapá, caruru e jogamos flores no mar para Iemanjá em 2 de Fevereiro. Mas seguimos com uma idéia fixa de que a herança européia é uma cultura superior e aquilo que o colonizador europeu nos trouxe segue sendo o dominante.
Proclamar um dia do ano para falar dos sérios problemas de preconceito racial que ainda permeiam a sociedade brasileira e cair na inútil tagarelice recheada de remorso sobre o sofrimento negro não surte efeito algum. Antes de fazermos feriado e sairmos às ruas levantando a bandeira da confraternização, precisamos acabar com essa eterna ladainha que envolve mentira, culpa e redenção.
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